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A democracia no velho e no novo desenvolvimentismo


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Passado um ano das manifestações populares que encheram as ruas brasileiras de reivindicações e protestos, o governo respondeu com o lançamento de sua Política Nacional de Participação Social. Instituída via decreto, ela se propõe a criar um complexo sistema de consulta à sociedade civil, via conselhos, comissões, conferências, ouvidorias, mesas de debate, fóruns e audiências públicas, que atuariam como fiscais e ajudariam na elaboração de políticas públicas, consolidando “a participação social como método de governo”.

Divulgado no final de maio, não demorou para que o decreto recebesse veementes ataques de parlamentares da oposição, que acusam o governo de querer passar por cima do Congresso e implantar uma democracia direta no país. Ao que a presidente Dilma Roussef reagiu argumentando que o projeto permite a participação de todos os segmentos da sociedade na estruturação de políticas de governo. “Muitas cabeças pensam mais do que só a cabeça do Executivo”, disse ela.

Se o governo vai ser capaz de vencer as resistências e fazer vingar sua Política de Participação ainda não se sabe. Mas a própria polêmica em torno da proposta dá a medida do papel central que a questão da democracia ocupa no debate atual sobre os rumos do país. Por isso mesmo ela estará presente no 2o Congresso Internacional do Centro Celso Furtado, na mesa intitulada A relação entre democracia e desenvolvimento no antigo e no novo desenvolvimentismo.

Dela tomarão parte o economista Wilson Vieira, da Universidade Federal do Pampa; a cientista política Vera Alves Cepêda,da Universidade Federal de São Carlos; o sociólogo Rubem Murilo Leão Rêgo, da Universidade Estadual de Campinas; e o economista Theotonio dos Santos, professor emérito da Universidade Federal Fluminense.

“O debate sobre a relação entre democracia e desenvolvimento no antigo e no novo desenvolvimentismo passa pela importância que é dada à democracia, destacando-se, além das eleições, a participação da sociedade civil nas decisões sobre políticas voltadas para o desenvolvimento, em cada um desses desenvolvimentismos. Tal discussão se mostra pertinente para possibilitar um melhor entendimento do que diferencia um desenvolvimentismo de outro”, afirma Wilson Vieira, mentor e coordenador da mesa.

Segundo ele, a proposta da mesa é trazer para a discussão do Congresso a existência mesma de um novo desenvolvimentismo, surgido a partir dos dois governos do presidente Lula, cujas principais marcas seriam o incentivo à industrialização aliado a políticas sociais distributivas, dentro de um regime democrático. “O que se pretende discutir é se de fato existe esse novo desenvolvimentismo, com que características e de que maneira a democracia é tratada por ele. Tudo isso em contraposição ao velho desenvolvimentismo, localizado no período da chamada substituição de importações, de 1930 a 1980, em que não necessariamente para se promover o desenvolvimento se tinha a democracia como cláusula pétrea”.

Estudioso do pensamento de Celso Furtado, Wilson Vieira diz que Furtado, que viveu o período do velho desenvolvimentismo, era um dos pensadores que anteciparam elementos do novo desenvolvimentismo, ao defender a democracia e a distribuição de renda como condições do pleno desenvolvimento da sociedade. “À medida que avança nas suas reflexões, Celso Furtado vai cada vez mais trazendo questões além da ciência econômica, questões interdisciplinares, políticas, para entender o desenvolvimento. Ele defendeu a democracia e a importância de se começar a trabalhar a distribuição de renda, quando observou que a industrialização, por si só, não seria capaz de fazê-lo se o Estado não atuasse mais fortemente nisso. Mas nem todos os representantes do velho desenvolvimentismo pregavam isso”, diz Vieira.

“O velho desenvolvimentismo, partindo do e preso ao diagnóstico do subdesenvolvimento, elege como nuclear o problema dos obstáculos à realização de um sistema econômico industrial complexo e maduro. O foco no velho desenvolvimentismo está assestado, centralmente, nos estrangulamentos do mundo da produção e na sua resolução via industrialização pesada. Aparecem em segundo plano, quando muito no horizonte de sua proposição e como efeito de sua ação, os aspectos de distribuição e elevação de bem-estar. O mote crescer primeiro para distribuir depois não é acidental, mas uma metáfora exemplar do compromisso e custos sociais necessários no projeto de desenvolvimento,” diz Vera Cepêda em seu estudo Inclusão, democracia e novo-desenvolvimentismo: um balanço histórico. “O novo-desenvolvimentismo, ao contrário, apoia-se no processo de inclusão social, colocando redistribuição e equidade em posição prioritária”, segue ela, no mesmo estudo.

Para Wilson Vieira, no novo desenvolvimentismo, o aprofundamento da democracia é visto como condição sine qua non para o desenvolvimento, ainda que a forma de se atingir esse objetivo não seja consensual. “A polêmica em torno da criação da Política Nacional de Participação Popular é um bom exemplo disso. Para poder se avançar no desenvolvimento com políticas sociais é preciso radicalizar na democracia, no sentido de trazer mais a participação da sociedade civil, que foi uma das bandeiras dos movimentos sociais que eclodiram em junho de 2013. É um tema mais do que pertinente neste momento”, defende o economista.






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