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Avanços na capacitação, tropeços na inovação


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O Brasil avançou muito nos últimos anos na construção de uma infraestrutura de ciência e tecnologia: investiu no aumento significativo dos gastos públicos nessa área e na abertura de um número importante de universidades federais e de escolas técnicas (talvez a mais relevante das realizações no setor), espalhando a capacitação científica e tecnológica pelo território nacional. Mas, do ponto de vista da política de inovação, ainda estamos patinando.

Será basicamente esta a mensagem do economista José Eduardo Cassiolato, professor do Instituto de Economia da UFRJ, na mesa Ciência, tecnologia e inovação: desafios para a competitividade, dentro da programação do 2º Congresso Internacional do Centro Celso Furtado, marcado para o mês que vem.

Sócio do Centro e coordenador de uma das mais importantes redes de inovação do país, a RedeSist, Cassiolato vai trazer para debate no congresso os resultados de diversos trabalhos elaborados nos últimos anos, em conjunto com pesquisadores da Rússia, Índia, China e África do Sul, comparando sistemas e políticas de ciência, tecnologia e inovação nesses países, que resultaram na publicação de seis livros.

“O trabalho comparativo que fizemos com os Brics tende a mostrar que nós e a África do Sul temos seguido a agenda de inovação preconizada pela OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), uma agenda frustrante e equivocada, no meu modo de ver”, argumenta o professor.

“Esta agenda dá uma ênfase muito grande na interação universidade-empresa como elemento fundamental da política de inovação. Por trás disso está uma ideia de que a universidade gera conhecimento que se transforma rapidamente em inovação e que, portanto, estimular a universidade a ter um papel mais ativo na produção de conhecimento per se levaria a um aumento na capacidade de inovação do país. A política que adotamos, seguindo essa agenda, é muito parecida com a da África do Sul, e as duas não dão certo”.

Para José Eduardo Cassiolato, a questão principal que se coloca, do ponto de vista da política, é a visão – muito ingênua, a seu ver – quanto ao papel desempenhado pelas empresas transnacionais no país para gerar inovação. “Ingênua no sentido de acharmos que as multinacionais vão nos levar a um mundo mais feliz do ponto da inovação, que elas vão trazer a tecnologia para cá e vão realizar atividades importantes de inovação aqui dentro”.

Um exemplo que o professor vai tentar explorar melhor no seminário é o da indústria automobilística. Segundo ele, em que pese o substantivo subsídio oferecido para essa indústria há anos, ela não faz quase nada de significativo aqui do ponto de vista tecnológico. “Com a crise de 2008, o que aconteceu é que eles passaram a importar os carrões do México, que tem uma tecnologia mais avançada. Esse é um grande equívoco nosso”, diz.

Já a Índia, a Rússia e a China, destaca Cassiolato, perceberam há tempos que essas empresas não vão trazer nada de diferente para seus países. Nos três casos, o que realmente contou para alterar esse paradigma foi o relevante papel do Estado. “Eu costumo dizer que os chineses leram muito melhor o Celso Furtado do que nós. Porque isso é o que ele nos dizia há 50 anos que era importante fazer. A gente tem que seguir uma trajetória tecnológica diferente daquelas que as multinacionais nos trazem”, afirma o pesquisador.

De acordo com ele, o que a OCDE prega no seu site (ter menos Estado, focar no apoio a universidades) não é o que os países mais avançados seguem. “Não vejo nenhum candidato a presidente colocar essa questão, mas acho oportuno, com o 2º. Congresso do Centro Celso Furtado ocorrendo a menos de dois meses das eleições majoritárias, trazer esse assunto para a pauta”.

Para o também professor do Instituto de Economia da UFRJ e técnico da Finep Luiz Martins de Melo, a quem caberá a coordenação da mesa Ciência, tecnologia e inovação: desafios para a competitividade, o país precisa chegar a um aprofundamento da compreensão da inovação como um fenômeno sistêmico, a seu ver, o ponto crucial da questão.

Para isso, diz, seria necessária a integração de todos os instrumentos do sistema de CT&I, de política industrial e poder de compra do Estado, direcionando-os para programas que sejam capazes de gerar cadeias produtivas, de forma mais atuante e estruturante e menos fragmentada do que é atualmente. “Não adianta pegar o dinheiro e distribuir um pouquinho para cada um. Os atores precisam estar inseridos numa política industrial que integre a cadeia produtiva com todos os instrumentos de que ela dispõe. Nesse sentido o Brasil está muito defasado em relação aos países desenvolvidos”, afirma.

De acordo com Luiz Martins de Melo, os dados da última Pintec (Pesquisa de Inovação, do IBGE), mostrou uma estagnação relativa do sistema de CT&I. “Eram dados a se esperar, já que a indústria é o elemento central para a disseminação da produtividade e da geração de valor, via inovação, para os demais segmentos da economia. E a indústria está bastante estagnada, principalmente pela manutenção, já há algum tempo, de uma taxa de câmbio muito valorizada e pela taxa de juros, que oscila demais.”

Na sua opinião, os recentes acenos do governo de incentivos para a indústria não alteram substancialmente o quadro, são apenas pontuais. “Diferente do que ocorre com os países desenvolvidos, inclusive os que dizem que não têm política industrial, como os EUA, que alocam seletivamente os recursos de seu orçamento federal público, fazendo a integração da oferta e do incentivo vindo pela demanda através do poder de compra do Estado”, diz..

A característica sistêmica da inovação e a discussão que está posta pelos setores mais liberais da sociedade brasileira de que o mercado internacional é capaz de resolver todas essas questões com a abertura da economia e a globalização serão os principais pontos em pauta na mesa, na visão de Luiz Martins de Melo. Além dele e de José Eduardo Cassiolato, a mesa vai contar também com a participação de Luiz Antônio Elias, do BNDES, que foi secretário-executivo do MCT e conhece por dentro todo o sistema e seu funcionamento.






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