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Grandes avanços, enormes desafios


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O Brasil avançou bastante nos últimos anos, tirou um expressivo contingente de pessoas da pobreza, dando-lhes emprego e renda digna. Mas essas pessoas hoje querem mais: querem moradia, assistência médica, escolas e transporte. Querem serviços públicos de qualidade. Querem ter de fato o que a Constituição lhes assegura como direito. Os avanços no campo social foram muitos, mas os obstáculos no caminho da plena cidadania para todos os brasileiros ainda são gigantes. E esses enormes desafios só podem ser enfrentados na perspectiva de uma agenda de desenvolvimento.

Será basicamente esta a mensagem que o economista Eduardo Fagnani, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), trará para o debate na mesa A Questão Social e os Desafios do Desenvolvimento, durante o 2o Congresso Internacional do Centro Celso Furtado. Ao lado dele, na manhã de quarta-feira, dia 20 de agosto, estarão a socióloga Amélia Cohn, professora aposentada da Universidade de São Paulo (USP), o professor Gilberto Bercovici, do Departamento de Direito Econômico e Economia Política da USP, e a cientista política Dulce Pandolfi, professora da Fundação Getúlio Vargas do Rio (FGV-RJ) e diretora do Centro Celso Furtado, a quem caberá a coordenação da mesa.

Eduardo Fagnani vai mostrar que os primeiros anos do século 21 registraram sensíveis avanços no país do ponto de vista social. Mas se isso é geralmente creditado, sobretudo pelas agências internacionais, ao programa Bolsa Família, Fagnani argumenta que, na verdade, o fato mais importante para esses avanços, principalmente a redução da desigualdade de renda, foi o crescimento da economia. Foi ele, segundo o professor, que permitiu a criação de mais de 20 milhões de empregos com carteira assinada, a redução do desemprego, da informalidade e dos trabalhos precários e também o aumento do salário mínimo, 70% acima da inflação.

A ativação da atividade econômica também fez crescer as receitas tributárias, melhorando as contas públicas e abrindo espaços para a expansão do gasto governamental. Em valores reais, o Gasto Social Federal per capita aumentou quase 60% entre 2004 e 2010 (passou de R$ 2.100 para R$ 3.325); e, em relação ao PIB, subiu de 13,2% para 15,5%. “E além desses reflexos da economia no mercado de trabalho, há um outro aspecto que é muito pouco lembrado, até mesmo pelos economistas do campo desenvolvimentista, que são as transferências de renda da Seguridade Social. Eu sempre cito esse dado para deixar claro: são 37 milhões de benefícios diretos da Seguridade Social – da Previdência urbana e rural, o benefício da prestação continuada, mais o seguro-desemprego, dos quais 34 milhões – 70% - equivalem ao piso do salário mínimo”, diz.

Além da transferência de renda para as famílias, Fagnani argumenta que a expansão da oferta de serviços também foi impulsionada e que as políticas sociais universais tiveram um avanço do ponto de vista institucional. Somente na área de Educação, cita ele, os gastos federais dobraram entre 2000 e 2010, passando de R$ 21,2 para R$ 45,5 bilhões, e diversos programas importantes foram criados, resultando num maior e melhor acesso da população ao ensino público. “Enfim, também os programas que vêm da Constituição de 1988 tiveram uma continuidade que vão no sentido da consolidação das políticas universais e explicam essa mobilidade social ascendente depois de mais de duas décadas de estagnação”, afirma.

Em que pese os inegáveis avanços, o professor da Unicamp acha que ainda é muito cedo para se falar em um novo padrão de desenvolvimento no Brasil . O que ocorreu foi um modo de desenvolvimento menos perverso que dos anos anteriores. “Avançamos muito em termos de desconcentração de renda, o Índice de Gini voltou aos patamares do início dos anos 60, mas ainda somos uma das 20 economias mais desiguais do planeta. E o desafio de futuro é enorme do ponto de vista do enfrentamento das nossas desigualdades sociais, que têm marcas profundas.”

Para Eduardo Fagnani, esse desafio passa hoje por articular as políticas de combate à pobreza com as políticas universais, de forma a garantir acesso a bons serviços públicos a todos. “O que as manifestações populares apontaram foi isso: a inclusão pelo consumo foi boa, mas não basta, eu quero agora é inclusão pelos direitos. Esse é o recado. Essa pressão popular recoloca o conflito redistributivo no centro do debate nacional. Não dá para universalizar a saúde e pagar juros exorbitantes para o mercado financeiro. Tem que haver uma escolha. Esse desafio passa pela política. Temos que pensar a questão social na perspectiva de um projeto de desenvolvimento”.

Relação dúbia com a Constituição 

Com ele concorda o professor de Direito Econômico da USP Gilberto Bercovici. Ele vai centrar sua análise da questão social na relação que os governos do PT, há 12 anos no poder central, vêm tendo com a Constituição Federal. Segundo Bercovici, essa relação tem sido dúbia, marcada por avanços e recuos. E isso tem implicações sérias para o desenvolvimento do país. 

“Por exemplo, a Constituição é bastante enfática no tange ao papel do Estado na economia. E o governo do PT não reviu nada do que o governo tucano fez em termos de privatização. Não só não reviu, como em alguns casos até aprofundou”, diz. Por outro lado, argumenta a professor, tanto a gestão Lula quanto a atual, de Dilma Roussef, atuaram no sentido de reforçar o mercado interno, seguindo dispositivo da Constituição segundo o qual o mercado interno é o centro dinâmico da economia.

“Ou seja, não se pode dizer que os governos do PT tiveram um relação unívoca com a Carta de 88. Ao mesmo tempo em que eles aprovaram emendas que tornam fundamental o direito à alimentação, ou direitos trabalhistas para domésticas, a primeira emenda do governo Lula foi a favor do mercado financeiro”.

Para Gilberto Bercovici os maiores desafios do desenvolvimento brasileiro têm a ver com o cumprimento dos preceitos constitucionais. Segundo ele, a política econômica dos governos PT tem sua face elogiável, quando pensamos na distribuição de renda, mas ela se limitou a atacar o problema só pelo consumo. “A Constituição criou uma série de direitos relacionados a educação, a saúde, a saneamento e a moradia, para ficarmos nos mais básicos, que não são resolvidos com Bolsa Família”, finaliza. 






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